23 de junho de 2010

Questão para o curso de Estudos de África

AVALIAÇÃO para curso Introdução aos Estudos de África

http://www.fflch.usp.br/cea/



24 de junho de 2010





ALUNO: Fábio



QUESTÃO Nº 6: A escravidão é uma realidade antiga na história da humanidade, no entanto, ela apresenta peculiaridades culturais e temporais. Visto deste ângulo, como você descreveria as formas de escravidão na África antes do tráfico negreiro, comparativamente às formas de escravidão praticadas no Brasil colonial e em outros países da diáspora africana?

O tráfico negreiro foi a grande tragédia, o grande cataclisma que se abateu sobre a África subsaariana, abalando comunidades, atrapalhando a formação de Estados Nacionais, como os que surgiam na Europa, e roubando a força de trabalho de todo um continente. Aí já temos a primeira grande diferença entre a escravidão, tal como praticada no período do tráfico, e a escravidão tradicional, que já existia na África.

A escravidão tradicional existiu em todo mundo, inclusive em África, mas não estava necessariamente vinculada a critérios de etnia ou origem. O motivo mais comum para submeter alguém ou um grupo de pessoas à escravidão ou servidão era a derrota durante guerras. Era possível que o escravizado fosse forçado a trabalhar em outra comunidade, tribo ou nação, mas mesmo nestes casos era comum que ele fosse acompanhado por sua família e dependendo da situação poderia ter direitos básicos como garantia de sua integridade física e até mesmo residência.

Os escravizados poderiam ser negociados, mas não no sentido capitalista do termo, ou seja, não eram trocados por dinheiro. Tratados realmente como parte da força de uma comunidade, os escravizados poderiam mudar de senhores mediante trocas especiais, sendo negociados pelos chamados "Bens de Prestígio", como ouro, tecidos e especiarias.

Havia também casos de escravidão voluntária, quando migrantes, fugindo de situações de guerra, seca ou falta de alimentos, se ofereciam para trabalharem numa comunidade mais rica.

O escravizado nem sempre estava condenado a permanecer assim. Suas famílas poderiam requisitar seu resgate, também através da troca por bens de prestígio.

Um ponto principal: a escravidão não roubava toda a força de trabalho de uma comunidade. Apesar de grandes reinos terem muitos escravos, este número não era absurdo e estes escravos podiam trabalhar juntos com os membros livres da comunidade, inclusive com os mesmos direitos de qualquer trabalhador; apesar de estarem numa posição social hierarquicamente inferior.


Com o Tráfico Negreiro instituído pelos comerciantes europeus a situação era completamente diferente. Primeiro se instituiu a completa coisificação do homem, com uma quantidade muito grande de pessoas escravizadas sendo trocadas, a princípio, por bens de prestígio, e depois por bens de subsistência básica, armas e simplesmente por dinheiro. Como a quantidade de pessoas escravizadas era pequena, surgiu a corrupção e a formação de grupos africanos criminosos, que sistematicamente raptavam jovens para serem escravizados; inclusive pessoas das próprias etnias dos raptores.

Todo este comércio humano era intermediado por nobres africanos, que viram no tráfico negreiro uma oportunidade de conquistarem poder. Além da perda sistematica de jovens, os efeitos nefastos desta corrupção sobre alguns líderes de nações do continente africano é incalculável.

Quando o horror do tráfico negreiro ficou evidente, houve oposição das comunidades e inclusive de vários nobres, como a Rainha Nzinga (ou Ginga), que lutavam contra os comerciantes europeus que compravam escravos e os grupos raptores. Esta guerra no entanto era desigual, já que os traficantes de escravos tinham acesso a armas mais avançadas e os escravizados eram levados através do oceano, para lugares distantes de onde não poderiam retornar.

Eis a Diáspora Africana. Do século XV ao XIX, segundo estimativas modestas, pelo menos 10 milhões de africanos foram embarcadas à força para as Américas (CURTIN, Philip D. 1969. The Atlantic Slave Trade: A Census), esta foi a maior imigração transoceânica na história da humanidade até aquela época.


No Brasil e em outros países que receberam escravizados, os negros foram totalmente coisficados, tratados como menos do que animais de carga. E, no entanto, eram extramente valiosos. Foi a força de trabalho negra que fez o progresso da Europa e das Américas; mas a ideologia racista foi usada para mascarar sua importância, e todo tipo de argumento, inclusive religioso, foi usado para justificar a escravidão. O resultado foi que além de serem forçados a trabalhar, os escravizados eram constantemente humilhados e até torturados. Existiam em vários países leis que permitiam este absurdo.


O pensamento racista, forjado pelos comerciantes que buscaram e conseguiram o lucro com a escravidão, pela igreja católica e por intelectuais que apoiavam esta barbaridade, deixou como resquício uma justificativa absurda, que algumas pessoas pouco informadas ainda defendem: a de que a escravidão teria sido inventada pelos próprios africanos e os europeus não seriam culpados por aceitarem participar dela. A verdade é que a escravidão tradicional era muito diferente do tráfico escravista instituído a partir do século XV e as consequências deste crime foram terríveis para o continente, tendo inclusive aberto caminho para a colonização que vários países africanos sofreram posteriormente, e o neocolonializmo do qual o continente como um todo tenta se libertar.




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EXTRA:


Leia esta bela homenagem aos meu professor, Kabengele Munanga, escrita por nossa colega Adélia Dias Chaga:


http://radiograciosa.multiply.com/journal/item/3642/3642



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