10 de fevereiro de 2005

Táxi

um dos posts que recuperei de meu antigo blog:


VÁ DE TÁXI

(a partir de "tilburi de praça" - de Raul Pompéia)

há corações fechados que são como portas de que se perde a chave.
ninguém lhes entra, sem que o milagre da sorte ensine como. então, é a imensa ventura.
há corações de uma só porta, como as casas seguras, onde a gente entra, sem custo, instala-se, faz família dentro e aí chega a netos tranquilamente.
há corações de duas portas, que dão entrada a um afeto pela frente, diante da sociedade, e a outro afeto pelos fundos, escondido. o segredo destes amores de acordo é possível, mas, às vezes, mesmo em segredo eles são felizes.
há corações hotéis, onde todo mundo entra, escandalosamente, quase simultaneamente, pagando à parte seu cômodo, sem grande intriga, nem ciúmes.
há corações favelas, que é um horror...
mas há uma espécie curiosa de coração, um produto das sociedades desenvolvidas que vivemos, para a qual lhes chamo a atenção - é o coração volante, o coração rolante ("pedras que rolam não criam limo"), que aceita amor, mas que não fixa, daqui para ali, a tanto por hora, a tanto por mês, o coração TÁXI, que aceita o passageiro em qualquer canto, que dobra esquina, que corre, que pára, que vem, que desaparece, que passa pela gente às vezes, juntinho, sem que se possa ver quem vai dentro...

raul pompéia (1863-1895) é um dos maiores escritores do brasil.
raramente é lembrado, se bem que muitos conhecem seu romance O ATENEU (1888), obra prima sobre a escola e a sociedade, pioneira no trato do homessexualismo e do complexo de édipo.
li o livro "Literatura Comentada", com seleção e notas de mário curvello (abril, 1981) e destaquei um trecho do conto Tílburi de Praça, publicado por afrânio coutinho in Antologia Brasileira de Literatura. adaptei o trecho do texto para nossa época. que me perdoem os puristas. viva raul pompéia!

consultem o conto original in: http://www.biblio.com.br/templates/raul_pompeia/tilburidepraca.htm


Em tempo. Na quarta de cinzas terminei de ler quando eu voltar a ser criança, de janusz korczak. impressiona.

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