Resumidamente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), que apesar de não ser seguido oficialmente pelo sistema de ensino da prefeitura de São Paulo pode ser usado como referência, propõe algumas metas para os estudantes ao término do Ciclo I:
- Narrar histórias conhecidas e relatos de acontecimentos, mantendo o encadeamento dos fatos e sua seqüência cronológica, ainda que com ajuda.
- Demonstrar compreensão do sentido global de textos lidos em voz alta
- Ler de forma independente textos cujo conteúdo e forma são familiares
- Escrever utilizando a escrita alfabética, demonstrando preocupação com a segmentação do texto em palavras e em frases e com a convenção ortográfica.
É sugerido nesta obra uma série de estratégias e o acesso aos mais diversos gêneros literários a fim de permitir o desenvolvimento destas competências. Até por ser também formado em Letras, o professor que observei no estágio ofereceu a seus alunos atividades muito pertinentes a estas metas, mas o resultado nem sempre foi alcançado com todos os alunos – O trabalho com textos inteiros não é fácil para os estudantes, e isto é visível não apenas em jovens de 2ª série, como em alunos bem mais velhos.
Passo a relatar qual a estratégia usada pelo professor V e depois citarei um caso de dificuldade.
ESTRATÉGIAS DE REESCRITA NA 2ª SÉRIE
O professor que acompanhei durante o estágio solicita com freqüência a produção de textos completos pelos alunos, entretanto geralmente esta atividade é dirigida, ou seja, antes da efetiva escrita o professor faz a leitura de uma história junto com os alunos e, ocasionalmente, solicita que os mesmos a modifiquem oralmente. Assim, no processo de escrita, os alunos são levados a reescrever de memória a mesma história que ouviram, apesar disto não ter sido explicitamente solicitado.
No processo de correção o professor tenta forçar a formulação de hipóteses pelo aluno, evitando corrigir todos os erros do texto. Em vez disto ele apenas assinala com um traço ou círculo qual o erro ortográfico, forçando o estudante a lembrar ou perguntar qual a forma correta de escrever. O professor então solicita que os estudantes passem o texto a limpo. Entre todos os textos corrigidos ele escolhe um, que julga mais criativo, e passa na lousa tentando manter todos os equívocos e realiza a correção coletivamente, fazendo perguntas para a sala. Após a correção o professor pede que o texto refeito seja copiado pelos estudantes.
Parece-me uma estratégia bem acertada, já que permite a todos os alunos acompanharem um texto ser melhorado.
Como se trata de uma 2ª série, alguns equívocos permanecem mesmo após terem sido corrigidos várias vezes. Observei alguns problemas de segmentação de palavras (ver dia 10 do relatório de regência, página 12 ), e omissão no uso de vírgulas.
Para condicionar os estudantes a terem cuidado com a escrita ortográfica, o professor solicita quase diariamente ditados, na maioria das vezes com palavras conhecidas em outros textos. E como atividade intermediária pede a escrita livre de frases usando as palavras do ditado, neste caso sempre dando ênfase na necessidade da frase ser criativa e complexa, ou seja, com mais do que uma oração.
Acho que faltou apenas um trabalho dirigido para a escrita de um parágrafo único, dando atenção para a separação das frases com uso de vírgulas.
ALUNOS QUE FICAM PARA TRÁS
Há pelo menos três alunos na sala do professor que observei que pareciam não conseguir acompanhar as atividades com textos completos. Um número que poderia ser considerado pequeno, mas isto se deve, nas palavras do próprio professor, a sua postura exigente. Ele declarou que no início tinha mais de 10 alunos não alfabetizados e acha que, agora, mesmo estes com dificuldades já estão numa fase intermediária, chamada de silábico-alfabética.
Tomo como exemplo o aluno X. Ele não é um aluno que bagunça, na verdade é muito retraído. A pergunta seria: ele tem dificuldades de aprendizado por ser retraído, ou fica muito quieto justamente porque sente estar em desvantagem? A maioria das atividades passadas para os alunos, tanto de português quanto de matemática, o aluno X sequer tenta acompanhar. O professor então passa atividades alternativas, muito mais simples. Também aplica ditados para ele e os outros alunos com dificuldades, mas em separado da sala e observando-o escrever. Entretanto este tipo de acompanhamento individual só é feito quando o restante da sala esta ocupada com alguma atividade.
Enquanto alguns alunos já produzem textos completos ou pelo menos já dominam a escrita de frases, o aluno X ainda está trabalhando com a ortografia de palavras, para desenvolver a escrita alfabética.
Lembrei, é claro, de outros alunos com dificuldade que observo nas séries mais avançadas. Eles estão normalmente capacitados a uma escrita fonética, mas até mesmo na 8ª série há alunos que não conseguem escrever um texto coerente, estando às vezes em situação pior do que alguns alunos de 2ª série.
A percepção que tenho é que a tendência de alguns alunos ficarem para trás aumenta com o passar do tempo, quando, dentro da lógica dos ciclos de aprendizagem, o número de alunos com dificuldades deveria diminuir.
Uma explicação, dada por defensores da massificação que o sistema de ensino teve recentemente, é que antes estes alunos com dificuldades deixavam a escola, mas agora permanecem apesar de seus problemas. Isto me parece um desvio – é óbvio que estes alunos não conseguem responder da mesma maneira que seus colegas aos métodos de aprendizagem usados, precisando de alternativas. O problema é que as alternativas que os educadores podem oferecer são muito poucas. Até conseguem alcançar resultados, mas levam muito mais tempo. Perece-me um caso em que um investimento especial, seja do governo, seja da escola (com mais apoio para o professor) e / ou dos pais é imprescindível para garantir a compensação de estudos do educando.
Como observação, cito que na escola onde fiz estágio não existem aulas de reforço, nem qualquer acompanhamento fora da sala de aula para alunos com dificuldades. O máximo que é feito é encaminhar alunos para consultas a fonoaudiólogos ou psicólogos, ainda assim é uma opção dos pais dos alunos levarem a criança para as consultas sugeridas. Não há nenhum apoio pedagógico individual.
ALTERNATIVAS NA LEITURA CRÍTICA
“A mediação do professor no trabalho com a linguagem / Nas situações de ensino de língua, a mediação do professor é fundamental: cabe a ele mostrar ao aluno a importância que, no processo de interlocução, a consideração real da palavra do outro assume, concorde-se com ela ou não. Por um lado, porque as opiniões do outro apresentam possibilidades de análise e reflexão sobre as suas próprias; por outro lado, porque, ao ter consideração pelo dizer do outro, o que o aluno demonstra é consideração pelo outro.” (PCN, livro de Português, página 47).
“Como se deveria ler um livro? (...) Mesmo que eu pudesse responder à pergunta por conta própria, a resposta se aplicaria a mim e não a vocês. O conselho único que, de fato, alguém pode dar a outrem sobre leituras é o de não aceitar conselhos, de seguir seu próprio instinto, usar sua própria inteligência e tirar suas próprias conclusões.” Virginia Wolf.
Tive uma idéia. O interessante em fazer pesquisas observando aulas de outros professores, depois, tentar fazer o espelho, e descobrir como poderíamos ser melhores educadores. Lembrando de Saviani (1983), que propõe uma pedagogia com enfoque crítico dos conteúdos curriculares, acho que precisamos buscar uma leitura mais crítica, em todos os sentidos possíveis.
Em geral a opinião dos estudantes não é levada em conta dentro da escola. Acho que isto precisa ser feito. Não para escolher o que ou como estudar, mas sim para consciência do que está estudando, e porque. Talvez isto não esteja muito claro para os jovens e, também por isso, a escola tenha tantos problemas com disciplina e dificuldades de aprendizagem.
Método de Aprendizagem
Como nossa reflexão está centrada numa metodologia do ensino, no caso, de Língua Portuguesa usando os recursos da Lingüística, precisaríamos prever posturas para o educador ser eficiente na formação do educando, no mínimo, em termos de comunicação (no mínimo) na modalidade escrita. Digo no mínimo porque, na medida do possível (sempre), deve ser levada em conta a modalidade oral, predominante em nossa comunicação, que exerce grande influência na escrita. Muitos dos chamados “erros” de escrita, suspeitamos, são na verdade transposições pouco trabalhadas da linguagem falada; por outro lado, alguns alunos competentes na escrita, são confusos e tímidos na comunicação oral.
Uma primeira postura é não pré-julgar. Isso está sugerido nas experiências escolares modernas dos quais temos notícia. O educador deve ser também um pesquisador – não para criar teses e teorias, mas para entender seus educandos e construir, em conjunto com estes, uma prática educativa eficiente. Os seus problemas, seu potencial, suas necessidades práticas não devem ser “adivinhados”, mas buscados. Nisto a análise lingüística pode fornecer as melhores ferramentas.
Em material oficial da prefeitura de São Paulo, Vale e Couto (2003) dizem que “A pesquisa do universo vocabular e das condições de vida dos educandos é um instrumento que aproxima educador-educando-objeto do conhecimento numa relação de justaposição, entendendo-se essa justaposição como atitude democrática, conscientizadora, libertadora, daí dialógica”. Mas isso não é algo “dado” ao educador. Mesmo nesta prefeitura ou nos melhores sistemas de ensino os recursos para a “pesquisa” dentro do processo educacional (por exemplo: horas livres remuneradas) são escassos, se não inexistentes. A propaganda está longe da realidade.
A questão do currículo, a decisão sobre o que e como deve ser ensinado, o conceito de “projeto político pedagógico” devem ser repensados com vistas a criar uma escola com este tipo de abertura e autonomia para o educador. Esse é também um espaço, assim como a autoridade na sala de aula, que precisa ser conquistado pelo educador. Um detalhe: se a família precisa ser conquistada para participar com a escola no processo de ensino do educando e na reconstrução dos conceitos “escola” e “sociedade”, também esta é uma obrigação para a qual o educador precisa se preparar. Para muitos, a escola é o único espaço público acessível, sendo talvez o melhor espaço para se desenvolver a cidadania.
Pensando no ensino de gramática e língua portuguesa, percebemos problemas. O bom senso nos diz que o importante é saber usar a linguagem em suas diversas modalidades, escrita ou fala, formal ou informal, usar e criar estilo, ler e analisar literatura, ser claro, conciso, coeso e coerente. O importante é saber pensar e saber como expressar. Entretanto, os conceitos e a nomenclatura especializada da gramática podem vir a ser solicitadas a este educando na sua vida escolar ou nos chamados “concursos”. E então? Não é justamente uma obrigação da escola ensinar isto?
Também isto, mas não principalmente. Sem defender o estilo dito “construtivista”, que pode dar a falsa idéia de que o educador poderia ser omisso, acho que o educando deve aprender a pensar de maneira metódica e crítica, ler entendendo e escrever para ser entendido. Os conceitos e termos podem ser estudados após a aquisição completa da escrita – Aliás, os próprios conceitos da gramática devem ser revistos para serem mais claros e precisos, esse processo de re-criação do saber poderia, e deve, ser feito junto com os educandos. Mais um trabalho, com certeza difícil, que exige muito mais tempo e empenho, mas que pode fornecer ótimos resultados.
É interessante observar como a nomenclatura da gramática, ou da literatura, e mesmo da história, assim como os níveis sociais de linguagem, pode ser usada para criar diferença. A linguagem formal defendida pela escola, muitas vezes, parece incompreensível para o educando – e isso é uma violência.
É preciso buscar uma maneira de transformar esta imposição lingüística, essa maneira de se expressar e estes termos técnicos, numa curiosidade pelo saber. Ou seja, permitir ao educando dominar os conceitos e depois fazê-los buscar o formalismo expressivo, que, não podemos negar, ele pelo menos precisa conhecer. Este é o principal ponto que está direcionando a metodologia de ensino de vários educadores para privilegiar a produção de textos, a partir dos quais é possível estudar a prática da escrita, fonte real (não “abstrata”) da gramática.
Volto a destacar o quanto a prática do professor que observei durante o estágio me parece acertada, permitindo a escrita e a reescrita de textos. Entretanto, acho eu, ele deveria abrir mais espaço para discussão de idéias entre os alunos e tentar criar mais atividades de escrita não dirigidas, ou seja, em que os estudantes pudessem inventar com mais liberdade e, principalmente, estabelece trocas de textos, desenvolvendo nos educandos as noções de autoria, adequação ao destinatário e intenções ou objetivos para o texto.
Obviamente não é fácil fazer nossos educandos escreverem. Para alguns pode ser uma provação, para outros é um desafio além de sua capacidade – o pior é que eles pensam assim! Mas não, escrever é um ato social, do qual todo cidadão deve participar com competência para ser um digno membro da sociedade moderna.
Avaliação: Da autodisciplina à Leitura Crítica
Até onde sei, nunca foi algo tranqüilo o relacionamento entre gerações diferentes – seja entre pais e filhos, seja entre professores e alunos. Hoje, é comum que a diferença de idade entre um grupo e outro nem seja tão grande, mas continua provocando uma série de atritos – Necessário até, para que os adultos sejam forçados a “inovarem” com os jovens, e estes não se entreguem ao instinto desregrado, sendo forçados (não há palavra mais adequada) a crescerem.
Os adultos esperam muito dos jovens. Não esperam apenas problemas, acho, mas também a mudança de tudo o que está aqui vigente. Na escola, isto significa idealizar um “bom aluno”, perfeito para, dentro da escola, aprender passivamente, sem fazer bagunça e, fora da escola, realizar todas as pretensões das pedagogias ditas modernas: ser contestador, curioso, crítico, criativo. Pesquisa feita por Rangel (1996) mostra o quanto este tipo de representação permanece vigente em diferentes tipos de instituições educacionais.
No estágio de observação que acompanhei numa turma de 2ª série, do chamado ciclo I, causa espanto a ordem da sala de aula, quando comparada com turmas de 5ª a 8ª série. Mas será que este grande controle exercido pelos professores sobre os alunos mais jovens não tem algo a ver com a profunda revolta dos alunos adolescentes?
O que nos leva à disciplina. Chamlian (2001) delimita este tema tão urgente, pesquisando as diversas concepções de “disciplina” conforme definidas dentro da educação. A organização e delimitação do saber em campos que raramente se encontram, supostamente se apresentando de maneira mais assimilável para os estudantes, é disciplina. Disciplina é o que forma o carácter. Disciplina é dedicar-se ao estudo e respeitar a todos, principalmente o professor na sala de aula, o que aproxima este conceito da idéia de “etiqueta”, entendida não como regra esnobe de uma classe, mas como regra de convivência harmoniosa. Sendo algo tão óbvio, porque então a escola tem problemas com disciplina?
Talvez por que, raramente, a disciplina seja algo claro para o estudante. Tanto no primeiro sentido, que vou traduzir como organização do conhecimento, quanto no segundo, uma etiqueta de condutas. Para o estudante não é explicado, por exemplo, porque existem disciplinas ou qual a importância real dos saberes. E não é explicado aquilo que deveria ser ainda mais evidente, que a disciplina é apenas uma convenção, o saber é algo completo, complexo e indivisível em fragmentos que não se tocam nem se misturam – No mundo, fora da escola, só será capaz de criar algo diferente aqueles que justamente aprendem a quebrar a separação entre os diferentes saberes ou disciplinas.
Enquanto etiqueta de condutas, entre estas eu incluo o estudo metódico, disciplina seria algo mais do que convenção escolar – é a própria razão de ser da escola. Para que uma pessoa passou tantos anos dentro da escola se não aprendeu a estudar, não aprendeu a respeitar o colega (seu igual) e os adultos? Talvez os jovens não aprendam, também, porque não estão sendo respeitados em sua individualidade.
Perrenoud (1999) observa que a avaliação, ação mais importante da escola, que deveria ser usada como mecanismo de promoção do aprendizado, muitas vezes é usada para supostamente medir excelências escolares, separando alunos com êxito dos que fracassam, e disseminando a ilusão de que este desempenho escolar terá reflexo na vida adulta / profissional dos estudantes; e para controlar a disciplina – Os alunos precisam estudar? Agenda-se prova. Estão “bagunçando”? Aplica-se prova.
“(...)Verifica-se que a natureza do campo pedagógico dificilmente liberta a relação pedagógica do caráter de violência inerente à sua origem. (...) Por outro lado (...) as atividades propostas para a conquista desse saber determinam os tipos de contatos estabelecidos entre o professor e seus alunos.” (CHAMLION, 2001, p. 41).
Devíamos imaginar que toda atividade proposta é avaliativa, não apenas os testes e provas agendados e, principalmente, toda atividade visa à disciplina – não a redução do saber a um campo separado, não o silêncio ou a passividade receptiva do aluno, mas a organização do aprendizado e a promoção de uma ética de condutas socialmente positivas. Respeitar o indivíduo aluno e mostrar-lhe como respeitar algo ainda mais importante, a sociedade. Quem dera todos os adultos agissem com isso em mente: tratar bem o outro, melhorar a sociedade. Nossos alunos farão isto? Os mais velhos, os pais, os professores precisam dizer-lhes tudo o que eles deverão transformar? Esta é uma decisão que só pertence a eles.
Cabe à escola promover este estudante autônomo – Não passá-lo de um ano para outro lhe dando notas a partir de provas disciplinares, mas garantir a sua aprendizagem de maneira ilimitada. Creio, como Rangel (1996), que a excelência escolar não está na boa avaliação do aluno segundo julgamento do professor, mas na maneira como ele busca alcançar sucesso sem prejudicar ao outro quando finalmente sai da escola.
COMPROMISSO E DESVELO
Não falta tanto ao educador “carinho” por seus educandos ou “interesse” em seu sucesso. Há quem diga isso, que o professor deveria demonstrar mais atenção e emoção por seus alunos. Mas as demonstrações de carinho entre educadores e educandos são freqüentes. De forma que não é esta a chave para se combater as deficiências tão reclamadas na educação.
No mesmo nível em que, alguns professores, são carinhosos e atenciosos, também gritam, ameaçam e oprimem. E mesmo se o educador não agisse assim, fosse extremamente educado e respeitoso, nunca atacasse com ironia a seus alunos, a violência continua vigente em sua prática de ensino – se ele não reconhecer a identidade do educando, não lhe fornecer meios para gostar (em vez de odiar) o conhecimento e ter a oportunidade de refletir sobre este conhecimento e a sua própria situação no mundo, como cidadão de direito e dever no uso e re-criação do saber.
Lembrando pesquisa etnográfica feita por Bueno e Garcia (1996), podemos imaginar que o sucesso da aprendizagem estaria muito ligado à competência comunicativa, ou seja, a interação em sala de aula seria um “jogo” com algumas regras claras e outras nunca declaradas, que os educandos deveriam aprender para alcançar seu sucesso, mas, na verdade, estas regras não são as mesmas em todas as salas de aula, com todos os professores ou em todas as situações – E fora da escola, com certeza, não há garantia nenhuma de que o sucesso escolar irá refletir na formação de um adulto independente e capaz.
Mais do que interesse, acho que podemos pensar em termos de confiança. Confiança em si mesmo. Exigir do aluno porque acredita que ele pode fazer melhor. Noblit (1995) fala em “autoridade moral” do educador, o que nos faz lembrar de Arendt (1979), e considera essa autoridade do educador muito diferente do eixo de poder opressor, associado a um “saber mais”, como aparece nos estudos de Foucault. O Professor não é dono do saber, nem tampouco este saber está, a priori, no aluno – O saber é da sociedade e, de alguma maneira, é preciso garantir que o educando chegue até ele. Para isto é preciso acreditar que ele pode fazer isto a partir do que ele já sabe. Para isto é preciso dar atenção ao tipo de interação que se está buscando com o saber.
Isto me parece, claramente, um trabalho de leitura. Poderíamos até comparar com as “zonas de desenvolvimento proximal” de Vygostky, onde o educador deve ler-pesquisar no próprio aluno tudo aquilo que ele pode alcançar. Estamos falando de linguagem. Barzotto (1999) observa que nossa sociedade parece estar vivendo uma crise do conceito de autoridade, passando do autoritarismo para uma falsa liberdade, uma permissividade que passa tanto pelos critérios de julgamento para as leituras possíveis de um texto, onde tudo é aceito, quanto pelas relações entre as pessoas, em que o confronto intelectual é evitado.
Mas evitar este confronto intelectual com o texto ou entre os indivíduos não é garantir a paz, mas justamente o contrário. Evitando-se o embate de idéias, o direito de discordar e argumentar, o que fica vigente é o ataque, a reação violenta, a fofoca (ataque indireto), a exploração (uso utilitarista, sem justa reciprocidade) e a humilhação. A proposta de Barzotto, em valorizar a leitura e a escrita, parece um passo importante para se rever a maneira como está direcionada a educação:
“A sociedade tem perdido seus limites. Resgatá-los implica limitar o livre passeio pelo texto ou pela vida, fazendo juz ao que há de lei simbólica na palavra “leitura”, sem agir como se texto, autor e leitor não valessem nada.” (BARZOTTO, 1999, p. 17)
Podemos falar em termos de respeito e identidade. Se o objetivo da escola, em geral se repete isto, é formar leitores e escritores críticos e criativos, cidadãos conscientes de seus direitos e deveres capazes de melhorar a sociedade em que vivemos, não se pode imaginar que isto será conseguido “magicamente”, lembrando expressão usada por Charlot (1996) para se referir à fé de que a freqüência na escola, por si só, pode garantir algum bom futuro para os jovens. Gallo (1995) observa que a liberdade não é um meio para educar, mas deve ser o objetivo de uma educação que vise a renovação e a autonomia, uma ação que vá contra o estado atual de desigualdades e violências.
Esta desigualdade, esta violência, começa na capacidade de leitura, como bem percebeu o escritor Ferréz. E chega na capacidade de escrita, tanto o acesso aos meios de comunicação, quanto o direito de estabelecer padrões de escrita e gêneros literários de prestígio.
Isto tem que mudar? Tem que mudar a maneira como são lidos os textos? A maneira como são escritos? A escola tem que mudar a sociedade? O futuro ao Destino pertence, ou melhor ainda, pertence à juventude – aqueles que sairão da escola. Estes devem ter o direito e a capacidade de criarem e transformarem, mas devem ter também a autonomia para fazerem o que quiserem dentro de uma única lógica: o bem da sociedade e não apenas o próprio bem estar. Para tanto a escola não precisa mandar o aluno “criar o novo”, mas precisa ensiná-lo a ler e escrever com respeito ao outro – o texto, o autor, os leitores.
Retomando pesquisa que fiz em estágios anteriores, principalmente no ensino médio, acho que falta esta confiança na capacidade do aluno em ser leitor e escritor, não no sentido “artístico”, de mero admirador ou criador de literatura, mas no sentido amplo de saber/procurar entender e ser compreendido. Observei que vários educadores tinham sincero interesse (podíamos chamar de “carinho”) em ver seus alunos alcançando sucesso, mas raramente acreditavam neste sucesso, não tinham confiança em sua capacidade, portanto não os colocavam em confronto com o texto, oral ou escrito, não provocavam o estudo e a reflexão.
Dentro de um circuito limitado, o próprio educador perde a confiança em si mesmo, perde sua identidade porque, se julga que os alunos não podem ir além, é porque também duvida de sua própria capacidade de ensinar, portanto também deixa de enfrentar o saber e os problemas do texto, do aluno ou do mundo. Estamos falando em estima e auto-estima. Imagem e auto-imagem. Perceber e enfrentar esta limitação parece um passo decisivo para melhorar os processos de aprendizagem em grandes turmas.
O principal conhecimento é o uso competente da linguagem. Se o educando não aprende a usar a linguagem, enfrentar e reagir aos textos sem o recurso da violência, reconhecer a si mesmo e ao outro dentro do discurso, ver os seus próprios deveres e o direito do outro... Sem isso dificilmente ele será capaz de refletir o desenvolvimento de um postura social contra a violência. Se a prática de ensino da comunicação e da expressão escrita for uma imposição, dificilmente o educando irá descobrir sozinho o prazer do saber e aprender a escrever pelo prazer. Isso é algo que o educador deve propor. Não a mera coleta de “informações” na leitura, mas a leitura pelo entendimento crítico (do texto e do mundo, como diz Paulo Freire). Não a mera técnica da escrita, mas a escrita da arte, da clareza e do prazer.
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