21 de janeiro de 2006

Acesso, conforto e excesso

(repensar a palavra “excesso” - há uma outra melhor, que esqueci...)

Homo sum, nihil humanum a me alienum puto (sou humano,
nada do que é humano me é estranho), Terêncio (cerca de 185 a.C – 159 a.C.).

" ser humano é existir numa tensão entre solidão e solidariedade" ( to be human is to exist in the tension between solitude and solidarity), Colapietro.


Considera-se que a maioria das pessoas seja livre, hoje. Você consegue imaginar a liberdade como um bem ou serviço? Se for, não é algo que se tem, que se ganha ou se compra. Tenho quase certeza.
A liberdade não é um privilégio.
O sociólogo Betinho fundou uma famosa campanha contra a fome. Chega a ser uma vergonha ser preciso fazer esta campanha – o mais triste é que a fome continua. Fome não só de comida, como de educação, saúde, arte, segurança... Resumindo: falta de acesso.
Gosto de pensar em tríades, imitando Peirce. Pense comigo: acesso, conforto e excesso. Deve ser uma preocupação de todos lutar para que todos tenham acesso ao mínimo. Todos, sem exceção. Sem isso não há sociedade livre, no seu real sentido. Como diz Bakunin, não há como ser feliz no meio da infelicidade, ainda que seja de uma única pessoa.
Acesso a tudo: principalmente justiça, direitos, empregabilidade, educação, informação e cultura. Estes três últimos, veja só, muito se aproximam, mas não são iguais.
A educação começa em casa, guiada pelos pais, se estende para a rua, integrando-se com a comunidade e se completa dentro das instituições – não apenas as escolas, mas também outros serviços públicos, locais de trabalho e, ás vezes, de lazer.
Informação é tudo o que se precisa saber para viver dentro da sociedade humana. Hoje temos cada vez mais consciência de que só existe uma sociedade: humana e global. Todos os assuntos humanos são de nosso interesse, seja um fato corriqueiro no Nepal, seja uma pesquisa incomum sobre corpos celestes.
As culturas poderiam ser resumidas em dois tipos: a global, ou humana, e a local, da comunidade (termo difícil de ser restringido). Falarei então numa “terceira” cultura, para combinar com a tríade, que é a cultura individual.
Homem culto (ou “cultivado”) é aquele que teve acesso a tudo que sua comunidade pode oferecer. E comunidade poderíamos entender como família, amigos, bairro, cidade, país, universo de falantes de sua língua, etc...
À medida que os sistemas de comunicação e preservação da memória avançam, teoricamente, aumentaria o número de pessoas cultas, inclusive num sentido multicultural, ou seja, integradas a várias culturas e, até, a mais de um universo lingüístico. Mas ainda há pessoas que não têm nem o mínimo.
Estar integrado a um ou mais universos culturais eu chamo de conforto. Não ter direito a conhecer sequer o universo cultural local ou familiar eu chamo de fome, falta de acesso. Mas como é possível uma pessoa não ter acesso a cultura?
De fato, não é possível. Mas há muitos que têm uma cultura muito restrita, não porque seu ambiente seja pobre (todo ambiente é potencialmente rico de cultura), mas porque lhes falta tanta coisa, acesso a tantos bens e serviços básicos, que ela não tem tempo ou recursos para cultivaras memórias (cultura) de sua comunidade, de se integrar socialmente ao mundo.

***

Acesso. Olha que coisa curiosa. Cada vez que a sociedade nega a um indivíduo está atrasando seu próprio progresso. Um exemplo inventado: O apresentador Michel Melamed fala no programa televisivo “Re(corte) Cultural” que deve ter muitos novos bons artistas no Brasil, mas eles ainda não estão mapeados, “Deve ter um violonista bom no interior do Tocantins... mas ele nem sabe que é bom porque ele nem tem um violão ainda”.
Imagine quantos educadores, cientistas, inventores, quem sabe até políticos honestos e criativos, simplesmente nunca chegam a vingar. É uma dó para eles e incalculável prejuízo para todos nós.
O motivo para tantos não terem nada é que alguns acumulam demais. Não é o caso de negar a riqueza com um bíblia socialista. Isto nunca funcionou. Mas é sim razão para se combater a concentração de renda. Ela pode ter sido “boa” num certo momento da revolução tecnológica, mas está sendo cada vez pior para a preservação da paz e o progresso coletivo.
E o que tem você a ver com isso? E que tenho eu? Nosso arco de influência parece tão pequeno... Eis o mais forte efeito da “sociedade globalizada” sobre os indivíduos e, até, sobre os governos das nações, a impressão de que qualquer reação é inútil.
Pois acho que não é inútil. Abra os olhos. Como prega o desenho animado “Robôs (co-dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha) – Veja a necessidade. Ajude. Se começarmos a pensar estes problemas como nossos (porque de fato são de todos) estaremos dando o primeiro passo.

***continua***


de 01 a 20.01.2006

f.r.n.
Faço um p.s.: As idéias de ação que defendo estão esparças no meu blog. Resumo aqui. Revisão do conceito de educação de massa, projetos de auto-gestão, revisão de ideais libertários, não necessariamente contra a propriedade, mas necessariamente contra a miséria – Eis algo que não pode mais existir em pleno século XXI. E, como vejo que o Estado centralizado é incapaz de funcionar para trazer esta ordem, abolir este tipo arcaico de governo, substituindo por um sistema de auto-governo descentralizado, mas internacional e cooperativo.


Comparem o texto deste post com "USO LIVRE, BUROCRACIA ABERTA E AUTO-GOVERNO cap. Aleph". Estes e outros textos antigos que escrevi podem ser consultados através de: http://ekalafabio.blogspot.com/2005/02/primeiros-posts.html

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